Voos Problemáticos: A Luta da Starliner nos dois primeiros lançamentos.

Voos Problemáticos: A Luta da Starliner nos dois primeiros lançamentos.
Lançamento não tripulado de teste da cápsula Starliner, da Boeing®. Créditos: Nasa HQ Photo

Na próxima quarta-feira (5 de junho), se não houver mais problemas, a cápsula espacial tripulada da Boeing decolará do cabo Canaveral levando dois astronautas para a Estação Espacial Internacional (ISS). Mas... Você conhece a história e os perrengues da Starliner? Vamos rever os principais momentos.

Após o desastre do Ônibus Espacial Columbia, a NASA começou um plano de aposentadoria dos orbitadores e transição para uma nova gama de veículos que seriam responsáveis por carregar astronautas para a ISS, Lua e Marte. Com esse objetivo nasceu o programa Constellation, onde os foguetes Ares I e Ares V, e o novo Crew Exploration Vehicle (que mais tarde veio a se tornar a cápsula Órion) seriam protagonistas da nova era espacial americana.

Ao decorrer da década de 2000, o programa foi se tornando cada vez mais caro e complexo, até o ponto de ser insustentável para a agência americana, o que levou ao seu cancelamento ainda em 2010. Nesse mesmo ano o Ônibus Espacial seria aposentado (aposentadoria essa que escorregou para 2011), deixando os Estados Unidos a mercê da Rússia, que eram naquele momento os únicos com capacidade de lançar pessoas para o espaço.

A partir da proposta de baratear o próximo programa, a Órion foi redirecionada para missões além da órbita baixa e a NASA se juntou com parceiros comercias para projetar novas alternativas de lançamento de astronautas a partir de solo americano. Daí se dá o surgimento do Commercial Crew Program (CCP), onde algumas empresas submeteram ofertas de desenvolvimento de veículos tripulados. Entre elas Boeing, Sierra Nevada, SpaceX e Blue Origin.
Em 2014, SpaceX e Boeing foram escolhidas com contratos de preço fixo, recebendo, respectivamente, $2,6 bilhões e $4,2 bilhões para desenvolverem seus veículos tripulados.

A Boeing seguiu desde o começo de sua proposta com a cápsula nomeada CST-100 Starliner. CST vem de "Crew Space Transportation" e o "100" remete à altitude da linha de Kárman, divisão internacional que define o que é planeta Terra, e o que é espaço. Starliner é a primeira cápsula desenvolvida de forma comercial pela Boeing, desenhada para ser compatível com vários veículos lançadores, como Atlas V, Delta IV e Falcon 9.

Em 2016, dois anos depois da NASA anunciar o apoio à Starliner, a Boeing anunciou o primeiro atraso no programa, adiando o primeiro voo de 2017 para o início de 2018 e, poucos meses depois, adiaria mais uma vez, para o final do ano devido a atrasos com fornecedores e problemas de produção. Mal sabíamos nós, mas atrasos e problemas viriam a ser marcas registradas desse programa.

Starliner em 1º de dezembro de 2015, no Centro Comercial de Tripulação e Processamento de Carga (C3PF) no Centro Espacial Kennedy, na Flórida. Reprodução: NASA HQ Photo

Em abril de 2018, 7 meses antes da data planejada para o voo duas pessoas, a NASA sugeriu o adiamento para 2019 ou 2020. Esperava-se que esse voo levasse mais um tripulante e suprimentos extras. Além disso, ao invés de duas semanas, como planejado originalmente, ela disse que a tripulação poderia ficar por até seis meses, como um voo rotativo normal.

Em novembro de 2019, o Escritório do Inspetor Geral da NASA disse: "Para a terceira a sexta missões tripuladas da Boeing, descobrimos que a NASA concordou em pagar um adicional de US$ 287,2 milhões acima dos preços fixos da Boeing para mitigar uma lacuna percebida de 18 meses nos voos da ISS previstos em 2019 e garantir que o contratante continuasse como um segundo provedor de tripulação comercial". Em outras palavras, a Boeing recebeu dinheiro para atrasar a missão.

Um mês depois, em 20 de dezembro, o Atlas V decolou do SLC-41, em cabo Canaveral, o Atlas V levando a Starliner (sem tripulação) rumo à ISS. A cápsula deveria acoplar com a ISS para então retornar para pousar no Oeste dos Estados Unidos. Mas, infelizmente ela nunca chegaria no seu destino. 30 minutos após a decolagem a nave viria a sofrer vários problemas e falhas de software, sendo os principais:

  • Uma falha no temporizador de bordo da Starliner fez com que ele medisse um tempo incorreto do foguete logo após seu lançamento e, como resultado, a espaçonave não executou a queima de inserção em órbita necessária para chegar à estação espacial.
  • O segundo grande problema foi um erro de mapeamento de válvulas (sempre elas) juntamente com o software que controla os propulsores da Starliner. A NASA e a Boeing enviaram comandos para tentar colocar a Starliner de volta na trajetória, mas, devido a posição da nave, essa manobra poderia ter levado a uma colisão no espaço com um satélite.

Os controladores de voo decidiram abortar a missão de chegar à ISS, devido ao baixo nível de propelente ocasionado pelas manobras errôneas da espaçonave. Assim a Starliner retornou para a Terra após 3 dias, realizando um pouso bem sucedido no Espaçoporto de White Sands, Novo México.

Pouso da CST-100 Starliner. Créditos: NASA HQ Photo

O relatório da NASA apontou que seriam necessárias 80 ações corretivas antes do próximo voo.

Como apenas 60% dos objetivos da primeira missão foram considerados concluídos, NASA e Boeing entraram em um acordo para realização de um segundo teste orbital não-tripulado. Dessa vez, a missão com custo de $410 milhões, foi fundada pela própria Boeing. O lançamento era esperado para ocorrer em Março de 2021, mas sofreu uma série de adiamentos por diversos motivos, incluindo:

  • Re-certificação do software da espaçonave
  • Problemas com a atitude (apontamento) da Estação Espacial Internacional causados pelo então recém-acoplado módulo Nauka
  • Corrosão de válvulas do sistema de propulsão

O último item levou a um grande atraso no programa. O Atlas V que estava prestes a ser lançado em 3 de Agosto de 2021, teve que retornar ao Prédio de Montagem Vertical (VIF) para inspeção no módulo de serviço da Starliner. Como o problema era mais agudo, foi necessário desmontar o foguete e retornar a espaçonave as instalações de preparação e processamento.

Nas análises profundas foi determinado que 13 válvulas foram corroídas devido à umidade, impedindo a abertura. O módulo de serviço foi trocado por outro, e finalmente a Starliner foi lançada no dia 19 de Maio de 2022, em sua segunda missão.

Starliner atracada na ISS em maio de 2022. Créditos: Samantha Cristoforetti/NASA

Todos os objetivos da missão foram finalizados de forma satisfatória. A cápsula sofreu pequenos problemas durante o voo, como falha de dois propulsores, que possuíam reservas, e problemas com o sistema de acoplagem, que adiaram o acoplamento com a ISS em quase 1 hora, mas sem comprometer a missão. Aproximadamente 5 dias após a chegada, a Starliner deixou a Estação com sucesso e 1 dia depois pousou no Espaçoporto de White Sands, abrindo caminho para o primeiro voo de teste tripulado, que veremos mais no próximo post aqui do blog!!

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